Combinação entre tráfego intenso de carros e de animais cruzando a estrada tornam o trecho de Campo Grande a Corumbá um dos mais letais para animais silvestres no país.
Uma pesquisa publicada pelo Instituto Homem Pantaneiro aponta que seis animais silvestres morrem atropelados diariamente na BR-262,
estrada que cruza o Pantanal de Mato Grosso do Sul. A estimativa dos pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) é que, entre reportados e não reportados, o número possa chegar a 3 mil mortes por ano.
As espécies mais atingidas são répteis, mamíferos, aves e anfíbios, que acabam se adaptando à existência da estrada, e incorporando o trecho em sua área, de acordo com seus hábitos em diferentes épocas do ano. Há 18 anos pesquisas são realizadas na região pantaneira para diminuir os acidentes na rodovia, mas os resultados são alarmantes: os números são praticamente os mesmos.
A primeira pesquisa sobre a mortalidade de animais silvestres na BR-262 começou em 1996, com a dissertação de mestrado do pesquisador Wagner Fischer, citado em uma matéria do New York Times no dia 12 de novembro. Na época, a precariedade da sinalização e as condições da rodovia que corta a maior planície alagável do mundo eram a explicação para o alto número de carcaças à beira da estrada.
Em 2014, o professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Julio César de Souza, também citado pelo New York Times, refez o caminho. Na ocasião, já com a rodovia asfaltada, sinalizada com placas de aviso e 21 radares instalados de Anastácio a Corumbá, encontrou centenas de carcaças pela estrada.
O mais recente estudo foi publicado em 2017 pelo pesquisador Arnaud Desbiez, do Instituto de Pesquisa de Animais Silvestres (ICAS). A conclusão, após anos e anos de monitoramento e pesquisa, é que a evolução na redução desses acidentes foi mínima.
Fischer, Julio César e Arnaud fazem parte de um time de pesquisadores do centro-oeste, sul, sudeste e região de Mata Atlântica que busca, por meio de dados científicos, viabilizar propostas para suavizar os efeitos da alta taxa de mortalidade de animais silvestres nas estradas brasileiras.
Arnaud coordena o projeto Bandeiras e Rodovias, que desde 2017 monitorou 50 mil quilômetros de rodovias em MS. Nesse período, foram encontrados mais de seis mil animais atropelados na rodovia, segundo o pesquisador.
"A problemática dos atropelamentos é muito séria em Mato Grosso do Sul. Não é apenas um problema para nossa biodiversidade, é um problema de segurança. Pessoas morrem na nossas estradas por causa de atropelamentos, isso é muito preocupante e requer medidas urgentes", declara.
Já a estimativa do professor Fischer é de que o número de animais silvestres atropelados no trecho que compreende Anastácio, Miranda e Corumbá, no coração do Pantanal, seja ainda maior que 3 mil:
"Muitos filhotes e animais menores tem suas carcaças consumidas tão rapidamente, que as mortes sequer são contabilizadas pelos órgãos ambientais. O número, pelos meus cálculos, pode passar de 3 mil. É inadmissível que a 'Rodovia da Morte' para animais silvestres corte um dos biomas mais importantes do planeta", declara.
Ciclo vicioso de morte
A pesquisa de Wagner Fischer, que hoje atua como analista no Ministério da Ciência e Tecnologia em Brasília, começou em 1989 com uma professora da UFMS, quando ainda não havia asfalto no trecho e o fluxo de veículos era menor.
"Depois, com a construção da estrada e posteriormente do gasoduto Brasil-Bolívia, o tráfego de caminhões ficou mais intenso, o movimento começou a aumentar, e o número de animais mortos também", afirma.
Inicialmente, sua pesquisa seria sobre morcegos, mas em uma viagem de motocicleta pelo Pantanal em 1996 ficou tão impressionado com a quantidade de animais mortos à beira da estrada que decidiu investir no tema. "Depois outros vieram e hoje somos uma equipe que troca informações e dados, todos em busca de proteção para a fauna pantaneira".
Para ele, o que mudou de 1996 para 2018 foi a instalação dos radares (que aconteceu em 2010) e a quantidade de carcaças na estrada. "O recolhimento ajuda porque se elas ficarem ali, o animal carnívoro vai se alimentar delas, o urubu também, e todos eles tornam-se vítimas desse ciclo vicioso de morte. De qualquer modo, essa não é, obviamente, uma medida para sanar o problema", declara Fischer.
A pesquisa do pós-doutorando Julio César de Souza, professor da UFMS que está na Universidade de Kent, no Reino Unido, também é referência no assunto. Para Julio, tanto dados antigos quanto recentes comprovam a mesma coisa: a ineficência das medidas tomadas e a falta de uma estrutura correta para conter a travessia dos animais.
"O bordo da estrada com mato alto funciona como um corredor de floresta para o animal, que avista o mesmo espaço do outro lado da estrada, e atravessa. Enquanto não houver uma solução para isso, os números continuarão assustadores", ressalta.
Atropelamentos ameaçam espécies
Uma pesquisa do Instituto Homem Pantaneiro (IHP) aponta que o atropelamento é um dos fatores que mais fortemente ameaça a fauna brasileira: "São 475 milhões de animais mortos nas estradas do Brasil todos os anos, uma taxa maior que a do próprio desmatamento", afirma o coronel Ângelo Rabelo, que trabalha no Pantanal há mais de 30 anos.
O professor Fischer aponta que, em 18 anos, os pesquisadores observaram também que o comportamento dos motoristas não mudou: "A alta velocidade na região é um risco para animais e homens. O Pantanal é um bioma muito rico, cheio de animais de diversas espécies, que por diferentes hábitos, morrem nas mesmas circustâncias".
"Em 18 anos, muitas espécies que na época haviam em abundância, hoje não aparecem mais nas estradas e isso não é um bom sinal. A mortandade vai acabando com a diversidade, com o estoque de fauna que tem no local, desequilibra a população. Chega um ponto em que não tem mais bicho para morrer."
Na cheia ou na seca, os animais incorporam a existência da rodovia aos hábitos de sua natureza. "Eles ficam atravessando de um lado a outro, para conseguir parceiros sexuais, fazer seus ninhos, é uma série de interações entre a fauna que vai trocando de protagonista", explica Fischer.
Espécies mais atingidas
O pesquisador Julio César explica que os hábitos dos animais tem relação direta com sua presença na rodovia, e a taxa de mortalidade de cada espécie:
Na época da cheia muitas capivaras, usam a estrada como refúgio seco, porque o Pantanal alaga;
No período de seca, os peixes aparecem em pequenas áreas alagadas, e os jacarés vêm atraídos pela abundância de alimento, são animais lentos em terra firme;
No alto a mesma coisa, tuiuiús e outras aves fazem seus ninhos perto da estrada, e gaviões e urubus vivem no entorno por conta das carcaças;
À noite, os insetos são atraídos pelos faróis dos carros e quando mortos, soltam um cheiro que atrai o tamanduá, que também é lento e tem a visão ruim;
Da mesma forma sapos, cobras e pequenos mamíferos cruzam a rodovia e, por serem pequenos e difíceis de visualizar, são vítimas certeiras dos veículos;
Também onças, jaguatiricas e outros felinos que até são velozes, mas não tem chance alguma diante de um carro em alta velocidade.
O que poderia ser feito?
Algumas propostas para diminuir o número de atropelamentos já estão em estudo pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT/MS). Entre elas, há a tela de contenção, medida que foi objeto de estudo de Julio Cesar nos EUA.
Aumentar número de radares
O Instituto Homem Pantaneiro diz que a instalação dos radares, a única solução aplicada até o momento, diminuiu a incidência de atropelamentos nas regiões consideradas hotspots (trechos mais críticos), mas "transferiu" o problema.
"Diminuiu 100% a mortalidade onde tem radar e aumentou 100% na área de vazio, onde não tem controle", afirma Rabelo.
No mês de outubro, o Ibama aplicou uma multa de R$ 8 milhões ao DNIT por não instalar redutores de velocidade na região. Consultado pelo G1, o DNIT/MS afirmou por meio de nota que "pretende ampliar o número de controladores de velocidade no trecho em questão, porém, aguarda disponibilização de recursos financeiros".
Instalação de telas de contenção
O estudo realizado por Julio César, em parceria com o pesquisador Scott H. Markwith, aponta uma alternativa que funcionou na região: a instalação de telas de contenção ao longo dos locais que concentram maior número de indivíduos.
Segundo Rabelo, do IHP, a proposta das telas de contenção e adaptação das pontes foi entregue recentemente ao órgão responsável pela estrada: "Nós fizemos uma proposta para o DNIT. A instalação da tela, infelizmente, entra em um cenário de inviabilidade econômica", conta.
O G1 consultou o DNIT/MS sobre a viabilidade desse projeto. O Departamento informou por meio de nota que a instalação das cercas estão, de fato, em estudo:
"Encontra-se em fase de elaboração de edital, processo para cumprimento de condicionantes ambientais do IBAMA, que prevê a instalação de cercas de proteção em pontos pré-definidos pelo IBAMA. Tal contratação está prevista na LOA/2019."
Com base nos resultados que apurou na Califórnia, Julio César garante que as telas reduzem de 70% a 90% as mortes de animais em rodovias:
"Redução de 90% seria um sonho dourado para a gente, mas se reduzisse 70%, já seria um resultado contundente. Pode ser uma alternativa cara, mas se gastam milhões por aí, acredito que poderia, sim, ser feito", declara.
Túneis e corredores de fauna
Caso a cerca seja viabilizada, os espaços sob as pontes também deveriam ser adaptados. Seriam transformados em corredores biológicos, uma espécie de túnel para que os animais pudessem transitar de um lado a outro da rodovia, por baixo dela.
Entre Campo Grande e Corumbá, existem em torno de 90 pontes. De acordo com o IHP, destas, apenas 10 são sobre trechos com água. A proposta do Instituto é transformar esses espaços secos em uma passagem segura para os animais, que seriam monitorados por câmeras fotográficas instaladas nesses locais.
Manejo correto da vegetação nativa
Júlio César afirma que o órgão regulador das estradas (DNIT) cumpre seu papel em deixar a mata nativa na região, mas a "borda suja", com mato alto, favorece a instalação de herbívoros no local:
"As capivaras, por exemplo, moram ali, na beira da estrada. O mato alto faz com que se sintam seguras, como se aquilo fosse um corredor de floresta. Precisa existir um convênio entre criadores, poder público, órgão regulador e pesquisadores, para manter o mato baixo e obrigar os animais a procurarem ambientes melhores, afastando-os da pista ", aponta.
Segundo Rabelo, o manejo da vegetação é uma alternativa que já vem sendo testada com o apoio de produtores rurais da região. O Pantanal é uma área em que a criação de gado é tradicional, e a travessia dos animais é feita, também, pela rodovia.
"Os pecuaristas são parceiros, a preservação da fauna é do interesse de todos no Pantanal. A solução é discutida em parceria porque, por exemplo, se fossem instaladas cercas na estrada, também eles seriam afetados uma vez que o gado se movimenta pela rodovia na época da cheia", explica.
Aparelhos que emitem sinais sonoros para alertar animais
Uma proposta que o IHP estuda é a instalação de aparelhos que funcionam como uma buzina, distante o suficiente para possibilitar a fuga, mesmo dos animais mais lentos:
"É uma espécie de radar que detecta quando um veículo vem a mais de 50km por hora, a uma certa distância, e emite um sinal sonoro que alerta os animais para espantá-los da rodovia", explica Rabelo.
O G1 consultou o DNIT/MS sobre a possibilidade de instalação desses aparelhos. Por meio de nota, a assessoria de imprensa informou que o órgão "não tem conhecimento da proposta de instalação de aparelhos com emissão de sinal sonoro".
Monitorar para preservar
Um documento do IHP entregue ao DNIT/MS propõe o monitoramento da BR-262 durante dois anos para observar os hábitos dos animais em diferentes épocas, no trecho mais crítico, entre o Km 616 e o Km 683.
O monitoramento será uma ferramenta essencial já que a 262 cruza não só o bioma Pantanal, mas também o Cerrado, reforça Arnaud.
"Existem variações espaciais e temporais nos atropelamentos, devido às estações e variações de temperatura. É preciso utilizar a tecnologia para entender esses hábitos, e investir. Acabar com a falta de interesse do poder público, falta de compromisso dos gestores da estrada. A preservação começa aí", ressalta.
No início de 2019, o Projeto Bandeiras e Rodovias vai realizar uma perícia na região para definir medidas de mitigação recomendadas. "Uma ação efetiva para diminuir o número de acidentes salvaria muitas vidas, de animais silvestres e motoristas", ressalta Arnaud.
A frase dita pelo professor Aguinaldo Silva, motorista que viaja ao Pantanal com frequência e encontrou o corpo da onça na foto que abre esta matéria, resume a urgência de medidas efetivas para mitigar o número de acidentes na BR-262:
"Uma estrada com tantas belezas naturais, tantos animais belíssimos, um espetáculo a ser apreciado de graça pelo homem, deveria sim, ser mundialmente conhecida como a 'Rodovia da Vida', e não da morte."
FONTE: G1
Uma pesquisa publicada pelo Instituto Homem Pantaneiro aponta que seis animais silvestres morrem atropelados diariamente na BR-262,
estrada que cruza o Pantanal de Mato Grosso do Sul. A estimativa dos pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) é que, entre reportados e não reportados, o número possa chegar a 3 mil mortes por ano.
A primeira pesquisa sobre a mortalidade de animais silvestres na BR-262 começou em 1996, com a dissertação de mestrado do pesquisador Wagner Fischer, citado em uma matéria do New York Times no dia 12 de novembro. Na época, a precariedade da sinalização e as condições da rodovia que corta a maior planície alagável do mundo eram a explicação para o alto número de carcaças à beira da estrada.
Em 2014, o professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Julio César de Souza, também citado pelo New York Times, refez o caminho. Na ocasião, já com a rodovia asfaltada, sinalizada com placas de aviso e 21 radares instalados de Anastácio a Corumbá, encontrou centenas de carcaças pela estrada.
O mais recente estudo foi publicado em 2017 pelo pesquisador Arnaud Desbiez, do Instituto de Pesquisa de Animais Silvestres (ICAS). A conclusão, após anos e anos de monitoramento e pesquisa, é que a evolução na redução desses acidentes foi mínima.
Fischer, Julio César e Arnaud fazem parte de um time de pesquisadores do centro-oeste, sul, sudeste e região de Mata Atlântica que busca, por meio de dados científicos, viabilizar propostas para suavizar os efeitos da alta taxa de mortalidade de animais silvestres nas estradas brasileiras.
Arnaud coordena o projeto Bandeiras e Rodovias, que desde 2017 monitorou 50 mil quilômetros de rodovias em MS. Nesse período, foram encontrados mais de seis mil animais atropelados na rodovia, segundo o pesquisador.
"A problemática dos atropelamentos é muito séria em Mato Grosso do Sul. Não é apenas um problema para nossa biodiversidade, é um problema de segurança. Pessoas morrem na nossas estradas por causa de atropelamentos, isso é muito preocupante e requer medidas urgentes", declara.
Já a estimativa do professor Fischer é de que o número de animais silvestres atropelados no trecho que compreende Anastácio, Miranda e Corumbá, no coração do Pantanal, seja ainda maior que 3 mil:
"Muitos filhotes e animais menores tem suas carcaças consumidas tão rapidamente, que as mortes sequer são contabilizadas pelos órgãos ambientais. O número, pelos meus cálculos, pode passar de 3 mil. É inadmissível que a 'Rodovia da Morte' para animais silvestres corte um dos biomas mais importantes do planeta", declara.
Ciclo vicioso de morte
A pesquisa de Wagner Fischer, que hoje atua como analista no Ministério da Ciência e Tecnologia em Brasília, começou em 1989 com uma professora da UFMS, quando ainda não havia asfalto no trecho e o fluxo de veículos era menor.
"Depois, com a construção da estrada e posteriormente do gasoduto Brasil-Bolívia, o tráfego de caminhões ficou mais intenso, o movimento começou a aumentar, e o número de animais mortos também", afirma.
Inicialmente, sua pesquisa seria sobre morcegos, mas em uma viagem de motocicleta pelo Pantanal em 1996 ficou tão impressionado com a quantidade de animais mortos à beira da estrada que decidiu investir no tema. "Depois outros vieram e hoje somos uma equipe que troca informações e dados, todos em busca de proteção para a fauna pantaneira".
Para ele, o que mudou de 1996 para 2018 foi a instalação dos radares (que aconteceu em 2010) e a quantidade de carcaças na estrada. "O recolhimento ajuda porque se elas ficarem ali, o animal carnívoro vai se alimentar delas, o urubu também, e todos eles tornam-se vítimas desse ciclo vicioso de morte. De qualquer modo, essa não é, obviamente, uma medida para sanar o problema", declara Fischer.
A pesquisa do pós-doutorando Julio César de Souza, professor da UFMS que está na Universidade de Kent, no Reino Unido, também é referência no assunto. Para Julio, tanto dados antigos quanto recentes comprovam a mesma coisa: a ineficência das medidas tomadas e a falta de uma estrutura correta para conter a travessia dos animais.
"O bordo da estrada com mato alto funciona como um corredor de floresta para o animal, que avista o mesmo espaço do outro lado da estrada, e atravessa. Enquanto não houver uma solução para isso, os números continuarão assustadores", ressalta.
Atropelamentos ameaçam espécies
Uma pesquisa do Instituto Homem Pantaneiro (IHP) aponta que o atropelamento é um dos fatores que mais fortemente ameaça a fauna brasileira: "São 475 milhões de animais mortos nas estradas do Brasil todos os anos, uma taxa maior que a do próprio desmatamento", afirma o coronel Ângelo Rabelo, que trabalha no Pantanal há mais de 30 anos.
O professor Fischer aponta que, em 18 anos, os pesquisadores observaram também que o comportamento dos motoristas não mudou: "A alta velocidade na região é um risco para animais e homens. O Pantanal é um bioma muito rico, cheio de animais de diversas espécies, que por diferentes hábitos, morrem nas mesmas circustâncias".
"Em 18 anos, muitas espécies que na época haviam em abundância, hoje não aparecem mais nas estradas e isso não é um bom sinal. A mortandade vai acabando com a diversidade, com o estoque de fauna que tem no local, desequilibra a população. Chega um ponto em que não tem mais bicho para morrer."
Na cheia ou na seca, os animais incorporam a existência da rodovia aos hábitos de sua natureza. "Eles ficam atravessando de um lado a outro, para conseguir parceiros sexuais, fazer seus ninhos, é uma série de interações entre a fauna que vai trocando de protagonista", explica Fischer.
Espécies mais atingidas
O pesquisador Julio César explica que os hábitos dos animais tem relação direta com sua presença na rodovia, e a taxa de mortalidade de cada espécie:
Na época da cheia muitas capivaras, usam a estrada como refúgio seco, porque o Pantanal alaga;
No período de seca, os peixes aparecem em pequenas áreas alagadas, e os jacarés vêm atraídos pela abundância de alimento, são animais lentos em terra firme;
No alto a mesma coisa, tuiuiús e outras aves fazem seus ninhos perto da estrada, e gaviões e urubus vivem no entorno por conta das carcaças;
À noite, os insetos são atraídos pelos faróis dos carros e quando mortos, soltam um cheiro que atrai o tamanduá, que também é lento e tem a visão ruim;
Da mesma forma sapos, cobras e pequenos mamíferos cruzam a rodovia e, por serem pequenos e difíceis de visualizar, são vítimas certeiras dos veículos;
Também onças, jaguatiricas e outros felinos que até são velozes, mas não tem chance alguma diante de um carro em alta velocidade.
O que poderia ser feito?
Algumas propostas para diminuir o número de atropelamentos já estão em estudo pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT/MS). Entre elas, há a tela de contenção, medida que foi objeto de estudo de Julio Cesar nos EUA.
Aumentar número de radares
O Instituto Homem Pantaneiro diz que a instalação dos radares, a única solução aplicada até o momento, diminuiu a incidência de atropelamentos nas regiões consideradas hotspots (trechos mais críticos), mas "transferiu" o problema.
"Diminuiu 100% a mortalidade onde tem radar e aumentou 100% na área de vazio, onde não tem controle", afirma Rabelo.
No mês de outubro, o Ibama aplicou uma multa de R$ 8 milhões ao DNIT por não instalar redutores de velocidade na região. Consultado pelo G1, o DNIT/MS afirmou por meio de nota que "pretende ampliar o número de controladores de velocidade no trecho em questão, porém, aguarda disponibilização de recursos financeiros".
Instalação de telas de contenção
O estudo realizado por Julio César, em parceria com o pesquisador Scott H. Markwith, aponta uma alternativa que funcionou na região: a instalação de telas de contenção ao longo dos locais que concentram maior número de indivíduos.
Segundo Rabelo, do IHP, a proposta das telas de contenção e adaptação das pontes foi entregue recentemente ao órgão responsável pela estrada: "Nós fizemos uma proposta para o DNIT. A instalação da tela, infelizmente, entra em um cenário de inviabilidade econômica", conta.
O G1 consultou o DNIT/MS sobre a viabilidade desse projeto. O Departamento informou por meio de nota que a instalação das cercas estão, de fato, em estudo:
"Encontra-se em fase de elaboração de edital, processo para cumprimento de condicionantes ambientais do IBAMA, que prevê a instalação de cercas de proteção em pontos pré-definidos pelo IBAMA. Tal contratação está prevista na LOA/2019."
Com base nos resultados que apurou na Califórnia, Julio César garante que as telas reduzem de 70% a 90% as mortes de animais em rodovias:
"Redução de 90% seria um sonho dourado para a gente, mas se reduzisse 70%, já seria um resultado contundente. Pode ser uma alternativa cara, mas se gastam milhões por aí, acredito que poderia, sim, ser feito", declara.
Túneis e corredores de fauna
Caso a cerca seja viabilizada, os espaços sob as pontes também deveriam ser adaptados. Seriam transformados em corredores biológicos, uma espécie de túnel para que os animais pudessem transitar de um lado a outro da rodovia, por baixo dela.
Entre Campo Grande e Corumbá, existem em torno de 90 pontes. De acordo com o IHP, destas, apenas 10 são sobre trechos com água. A proposta do Instituto é transformar esses espaços secos em uma passagem segura para os animais, que seriam monitorados por câmeras fotográficas instaladas nesses locais.
Manejo correto da vegetação nativa
Júlio César afirma que o órgão regulador das estradas (DNIT) cumpre seu papel em deixar a mata nativa na região, mas a "borda suja", com mato alto, favorece a instalação de herbívoros no local:
"As capivaras, por exemplo, moram ali, na beira da estrada. O mato alto faz com que se sintam seguras, como se aquilo fosse um corredor de floresta. Precisa existir um convênio entre criadores, poder público, órgão regulador e pesquisadores, para manter o mato baixo e obrigar os animais a procurarem ambientes melhores, afastando-os da pista ", aponta.
Segundo Rabelo, o manejo da vegetação é uma alternativa que já vem sendo testada com o apoio de produtores rurais da região. O Pantanal é uma área em que a criação de gado é tradicional, e a travessia dos animais é feita, também, pela rodovia.
"Os pecuaristas são parceiros, a preservação da fauna é do interesse de todos no Pantanal. A solução é discutida em parceria porque, por exemplo, se fossem instaladas cercas na estrada, também eles seriam afetados uma vez que o gado se movimenta pela rodovia na época da cheia", explica.
Aparelhos que emitem sinais sonoros para alertar animais
Uma proposta que o IHP estuda é a instalação de aparelhos que funcionam como uma buzina, distante o suficiente para possibilitar a fuga, mesmo dos animais mais lentos:
"É uma espécie de radar que detecta quando um veículo vem a mais de 50km por hora, a uma certa distância, e emite um sinal sonoro que alerta os animais para espantá-los da rodovia", explica Rabelo.
O G1 consultou o DNIT/MS sobre a possibilidade de instalação desses aparelhos. Por meio de nota, a assessoria de imprensa informou que o órgão "não tem conhecimento da proposta de instalação de aparelhos com emissão de sinal sonoro".
Monitorar para preservar
Um documento do IHP entregue ao DNIT/MS propõe o monitoramento da BR-262 durante dois anos para observar os hábitos dos animais em diferentes épocas, no trecho mais crítico, entre o Km 616 e o Km 683.
O monitoramento será uma ferramenta essencial já que a 262 cruza não só o bioma Pantanal, mas também o Cerrado, reforça Arnaud.
"Existem variações espaciais e temporais nos atropelamentos, devido às estações e variações de temperatura. É preciso utilizar a tecnologia para entender esses hábitos, e investir. Acabar com a falta de interesse do poder público, falta de compromisso dos gestores da estrada. A preservação começa aí", ressalta.
No início de 2019, o Projeto Bandeiras e Rodovias vai realizar uma perícia na região para definir medidas de mitigação recomendadas. "Uma ação efetiva para diminuir o número de acidentes salvaria muitas vidas, de animais silvestres e motoristas", ressalta Arnaud.
A frase dita pelo professor Aguinaldo Silva, motorista que viaja ao Pantanal com frequência e encontrou o corpo da onça na foto que abre esta matéria, resume a urgência de medidas efetivas para mitigar o número de acidentes na BR-262:
"Uma estrada com tantas belezas naturais, tantos animais belíssimos, um espetáculo a ser apreciado de graça pelo homem, deveria sim, ser mundialmente conhecida como a 'Rodovia da Vida', e não da morte."
Tenho vergonha dessa gente, milhares de reuniões, de opiniões, de palpites e nada foi feito. Pior ainda são os motoristas, que atropelam, SIM, POR QUERER !!! GENTALHA !!!
ResponderExcluirConcordo com a Teresinha, a maioria atropela por querer sim, nada foi feito e agora menos ainda,rumo a extinção de várias espécies.
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