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4/21/2019

Armadilhas do bem: câmeras camufladas na mata colaboram para descobertas da ciência

Equipamentos fotográficos são fundamentais para levantamento de fauna.

Quando falamos em armadilhas logo pensamos em uma cilada. Na floresta, muitos artifícios de captura ainda são utilizados ilegalmente para a caça de animais, no entanto, um tipo de armadilha é aliado da natureza.

Popularizada na década de 90 com o estudo de tigres na Índia, a armadilha fotográfica se tornou item fundamental para o estudo de espécies e
levantamento de fauna.

Versátil, nada mais é do que uma caixa tanque, normalmente camuflada, que protege uma máquina fotográfica associada a sensores de infravermelho capazes de detectar movimento e calor.

O objetivo é capturar espécies de difícil visualização, principalmente durante a noite. “O uso das armadilhas permitiu o registro de espécies raras em seu ambiente natural e revolucionou a maneira de se obter dados ecológicos que antes não eram acessados”, explica a bióloga Marina Xavier, que destaca flagrantes importantes para a ciência.

“Só no Parque Nacional do Iguaçu foram registrados um tamanduá-bandeira com filhote e queixadas, consideradas extintas localmente no Parque por vinte anos”, lembra.

"Dois mamíferos ‘enormes’ conseguiram passar tantos anos desaparecidos e continuariam se não fosse o potencial de registro desses equipamentos"

Além da descoberta de espécies incomuns em áreas específicas, as armadilhas também flagram animais com excesso ou falta de pigmentação. “Dados que também são muito interessantes para a ciência”, completa Marina.

Registros de espécies ameaçadas em localidades onde não se via o bicho por muitos anos significam muito para a sobrevivência da espécie em território nacional

Felinos em foco

Como na maioria das pesquisas científicas, as armadilhas fotográficas são uma das ferramentas mais utilizadas por pesquisadores da Panthera, organização não-governamental internacional que atua globalmente para garantir a conservação dos felinos silvestres e seus habitats.

De acordo com Fernando Tortato, biólogo e pesquisador associado à ONG, as câmeras são as principais ferramentas para o monitoramento de felinos em todo o mundo. “Por serem espécies de hábitos noturnos, são dificilmente observadas em vida livre”, comenta.

Com projetos no Pantanal, Cerrado e Amazônia, a Panthera Brasil conta com aproximadamente 60 armadilhas fotográficas, que são instaladas de acordo com o tema da pesquisa.

“A frequência de uso e a amplitude espacial e temporal do monitoramento são definidos a partir da pergunta que pretendemos responder”, explica o pesquisador, que traz alguns exemplos. “Se for para estimar a densidade populacional, as câmeras serão dispostas de forma a cobrir uma vasta área, com mais de 20 mil hectares”, diz.

Entre os dados obtidos é possível avaliar não só a presença ou ausência dos felinos na área de interesse como também a forma como utilizam a paisagem e se o período de atividade do animal é afetado por outras espécies, ou mesmo por alguma atividade humana.

O biólogo destaca também a possibilidade de individualizar as onças-pintadas, garantindo estimativas de densidade populacional. “Por se tratar de uma espécie com manchas, há a possibilidade de individualizar os animais, já que cada onça possui um padrão de pelagem distinto, como uma digital”, explica.

Do filme ao digital

Assim como a fotografia convencional, as armadilhas fotográficas evoluíram com o tempo, mudanças importantes para a coleta de informações. “Os equipamentos evoluíram do modelo convencional com o uso de filme fotográfico para o modelo digital”, relata Marina, que destaca as melhorias proporcionadas pela tecnologia.

“Essa evolução possibilitou maior qualidade da imagem, aumento da capacidade de armazenamento e redução considerável do tamanho e peso das armadilhas”, completa.

Configurações avançadas que permitem o controle da quantidade de fotos, intervalo entre os disparos, maior ou menor sensibilidade dos sensores, captura com visão noturna sem uso do flash e impressão de data e hora dos registros são fundamentais para as avaliações dos flagrantes, análises que também têm evoluído com o tempo.

“Avanços consideráveis ocorreram também nos modelos estatísticos que orientam os estudos ecológicos”, comenta a especialista.

Desde a evolução tecnológica das armadilhas às mais complicadas análises científicas há, de fato, uma ciência

Para os projetos da ONG Panthera, as imagens coloridas são de extrema importância para as análises dos animais. “A qualidade da imagem facilita a identificação do táxon e, no caso das onças-pintadas, a identificação do indivíduo”, comenta Fernando, que destaca a variedade de espécies registradas pelas armadilhas fotográficas da equipe.

“Já registramos onças-pintadas e pardas, jaguatiricas, gato-mourisco, lontras, ariranha, irara, quatis, mão-pelada, lobos-guará, veado-mateiro, queixadas, cutias, tamanduás-bandeira e tatus”, lembra o pesquisador.

Na lista constam ainda aves como ema, mutum, seriema, jacu-de-barriga-castanha e jacutingas. No entanto, quem ganha destaque no acervo de flagrantes são espécies raras e ameaçadas de extinção. “Se destacam os registros do cachorro-vinagre, do gato-palheiro e do tatu-canastra, espécies pouco conhecidas ou consideradas raras, registradas pelo monitoramento da Panthera”, completa.

Instrução e prática

Mesmo que muito versáteis, os equipamentos demandam estudo e prática por parte dos pesquisadores. “É extremamente importante que o usuário se familiarize com os recursos e potencialidades do seu equipamento, e que faça testes-piloto antes de ir a campo”, ressalta Marina, que destaca o maior desafio dessa prática.

“Ser capaz de encontrar um lugar que permita o funcionamento adequado de seu equipamento, com o maior número possível de chances de registrar sua espécie-alvo de estudo, é um grande desafio”, afirma.

Depois de dominar a técnica, porém, o observador pode ser um grande parceiro da ciência. “Quando desmistificamos o ‘fazer ciência’, ou quando tornamos isso possível a qualquer simpatizante, todos saem ganhando, ainda mais porque o equipamento não causa danos à fauna”, comenta a bióloga.

De acordo com Marina, além da acessibilidade e popularização dos equipamentos, o modus operandi torna a armadilha item indispensável para os pesquisadores. “Aquilo que eventualmente o equipamento é falho pode ser facilmente suprimido pelo uso de outras técnicas durante o processo de instalação”, completa.

FONTE: G1

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