O PASSARINHO FUGIU, OU MELHOR, O EDGAR SE MANDOU….
É isso aí,
gente! Edgar era meu canário da terra….
Desde a
manhã, sentia uma certa rebelião entre eles. Pensei: pura cisma, afinal falo todo dia
sobre o quando está custando o alpiste.... Qual deles seria capaz de fugir e
arriscar o “pão nosso de cada dia”?
Edgar, não sei porque, ultimamente andava injuriado
como alguma coisa que abalava sua instabilidade emocional. Todo canário da
terra vive assustado ou então batendo suas asas em rebelião aos homens estarem
acabando com seu habitat....
Aliás, ainda existe Mata Atlântica?
Aliás, ainda existe Mata Atlântica?
Camilo, o
meu belo canário belga, liderava aquela sensação de rebelião. Normalmente muito
calmo, preocupadíssimo com sua bela plumagem amarelada que vive limpando, há
dois dias não tomava banho, não limpava o bico ficando o tempo todo encostado à
gaiola de Marcel (o único chanchão da turma) instigando-o a brigar com Edgar.
Naquele dia, logo após a
fuga inesperada de Edgar por entre as palhetas da gaiola de madeira que já
havia consertado duas vezes nesta semana, Camilo pôs-se a banhar saltitante e,
pela primeira vez, cantou dentro da confortável banheira de vidro (ele não gosta de plástico).
Fiquei
pensando o que poderia ter havido entre eles para acontecer este momento que me
entristeceu e me preocupou demais, pois, Edgar estava comigo há 8 anos quando
demos uma batida (eu e a PM) na feira da Tijuca. Ele estava muito machucado,
mas, consegui reabilitá-lo. Pensei: como iria comer, beber água ou se defender
dos pardais que vivem em bandos aqui no Morro da Viúva no Flamengo?
Minha cabeça
fervilhava de suposições enquanto lavava o pano de chão. Sabe que é nessa hora
que descubro minhas maiores verdades? Não sei porquê…. Antigamente era com um certo
azulejo do banheiro. Às vezes, ficava tão fora de mim quando ele me
respondia o que eu perguntava que era preciso que minha mãe batesse na porta me
trazendo à realidade.
Certa vez, conversando com um grupo de amigos este
assunto, qual surpresa tive em saber os diversos pontos que cada
um tinha para leva-los à uma introspecção. Angela disse ser a maçaneta da porta
do seu quarto de dormir.... Ditinho com uma certa mancha na parede da sua
quitinete.... Alice confessou que não podia ver uma garrafa vazia que imediatamente
pensava na sua vida e começava uma conversa com a pessoa que vive nela.
Engraçado como são as coisas, não?
Mas,
voltando ao pobre Edgar. Naquele mesmo dia, à tardinha, ao sair para o mercado
deparei com seu corpinho estirado na calçada. Peguei com todo carinho aquele
passarinho que fugiu sem explicação e voltei ao meu prédio para enterrá-lo em
uma das jardineiras. Vi S. Antônio, o porteiro da tarde, que depois de ter-lhe
contado toda história disse: Sheila, o Edgar foi atropelado, eu vi tudo....
Mas, como
foi isto?
- Eu vinha
do jornaleiro antes do almoço quando vi algumas pessoas num burburinho comentando a
despreocupação daquele passarinho que, calmamente, atravessava a rua driblando
os carros. Fiquei olhando, também, e aí veio o ônibus que o assustou. O
bichinho em vez de continuar andando, resolveu voar.... foi o azar dele... o brutamonte
jogou Edgar lá pra calçada.... eu não sabia que era seu, senão...
Eu já não
escutava a voz do S. Antônio que narrou a terrível desgraça. Enterrei o pobrezinho
na jardineira das papoulas brancas que estava toda florida... ele merecia.... Esqueci do
mercado, da conta no banco, do sapateiro e fiquei ali, sentada na beira do
canteiro, olhando lá em baixo os carros passarem. Imaginei a cena um milhão de
vezes...
Puro
surrealismo... até os pássaros vão na conversa dos outros, fogem para uma
liberdade não real, andam pelo asfalto driblando carros e quando pensam em
voltar à casa para recomeçar tudo, vem um maldito qualquer e acaba com tudo….
Ah, tempo bom aquele que nós podíamos aprender as lições de vida e recomeçar.... Agora, as coisas são como bola de neve, sempre aumentando.... aumentando.... aumentando.... a poluição, a inflação, a destruição.... a fumaça.... a fumaça.... estou sufocando......
Ah, tempo bom aquele que nós podíamos aprender as lições de vida e recomeçar.... Agora, as coisas são como bola de neve, sempre aumentando.... aumentando.... aumentando.... a poluição, a inflação, a destruição.... a fumaça.... a fumaça.... estou sufocando......
Dei por mim
com minha mãe tirando minhas mãos da minha própria garganta que apertava sem sentir.... Deus
meu, enlouqueci!!!!! Esqueci do tempo novamente nas mais de quatro horas que
ficara ali sentada divagando sobre o mundo que vai se acabar pelo saquear
humano das fontes de sobrevivência....
Subi no
elevador com minha mãe tentando me consolar pela morte de Edgar, o canário da
terra que morreu atropelado por um ônibus!!!!!
Ao chegar no
apartamento fui direto falar com Lili, a comedida pintagol que me falaram que era
macho. Ela, entre pios, deu-me a entender que fora, realmente, Camilo o
incitante do caso. Olhei o belga que, entediado, assistia as acusações de Lili.
Decidi não pensar mais no caso quando percebi Camilo dizendo: - vai na conversa
quem quer.....
Tadeu, o
velho coleiro sem uma das patas, que era o xodó do meu filho, encerrou com um
belo trinado, a tentativa de explicar meu mundo de sonhos.
Por Sheila Moura - 1987
Muito lindo! Muito triste...
ResponderExcluirNossa... eu achei tão profundo! Lindo, triste e reflexivo. Vou compartilhar no meu Face e guardar em minhas pastas.
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