Desenvolvimento econômico e caça ilegal ameaçam espécies silvestres e riquezas naturais do país
Apesar de longas e trágicas guerras contra japoneses, franceses, chineses e americanos durante os últimos cem anos mais recentes, o Vietnã é uma arca do tesouro. Trata-se de um dos países de maior diversidade biológica em todo o mundo. Há 30 parques nacionais em seu território, e tantos tipos de animais quanto outros
destinos conhecidos pelos safáris, como Quênia e Tanzânia.
Centenas de espécies desconhecidas pela ciência foram descobertas no Vietnã durante as três últimas décadas, número que aumenta a cada ano. Uma delas, o saola, por exemplo, semelhante a um antílope, tem feições com traços delicados, com riscos brancos. Um pequeno rebanho de rinocerontes perdidos, cervos que latem e um coelho tigrado também foram vistos. E o mesmo pode ser dito de muitas espécies de pássaros - zagarateiros risonhos! - peixes, serpentes e rãs até então desconhecidas ou consideradas extintas. As florestas do Vietnã abrigam duas dúzias de espécies de primatas - gibões, micos, lorises e langures.
Um e-mail promocional que recebi do Parque Nacional Cuc Phuong era sedutor: "A floresta antiga contém quase 2 mil espécies de árvores, e entre elas vivem alguns animais incríveis e raros, incluindo o leopardo nebuloso, o langur de Delacour, a civeta de Owston, lontras e ursos pretos da Ásia! (…) corujas, esquilos voadores, lorises, morcegos e felinos".
Mas ao tentar marcar a visita, os agentes de viagem se mostraram estranhamente reticentes em relação às áreas selvagens onde poderíamos ver os animais, insistindo para que eu e minha mulher conhecêssemos as atrações urbanas. Finalmente, recebemos por e-mail: "Já estiveram no Vietnã antes, ou têm ideia de como é a situação aqui? Bastante ruim, caso não saibam".
Ruim para a vida selvagem? "Exatamente. No Vietnã, os parques nacionais são áreas protegidas apenas no nome, e a caça ilegal (frequentemente praticada pelos próprios guardas florestais) e práticas piores dizimaram a fauna", recebi em resposta.
Telefonemas a especialistas em preservação no Vietnã reconciliaram as aparentes contradições. Sim, o país é um epicentro de diversidade da fauna. Não, o ecoturismo não é muito explorado, e o Vietnã também se tornou um centro mundial do tráfico criminoso de espécies silvestres.
As populações silvestres, já pressionadas pela destruição de seu habitat decorrente do crescimento explosivo da população humana, são também abatidas a tiros, capturadas e aprisionadas com tanta eficiência que os parques nacionais e outras áreas naturais são agora afetados pela "síndrome da floresta vazia": um habitat florestal adequado à fauna no qual até os animais menores e pássaros foram caçados até a extinção local. Outros países asiáticos estão em diferentes estágios da mesma convulsão.
Em uma única reserva nacional remota no Vietnã, destinada ao saola e a outros animais raros, foram encontradas 23 mil armadilhas em 2015. Nenhum saola foi visto desde que foi feita uma foto de um deles, seis anos atrás. O último rinoceronte foi abatido por caçadores no Parque Nacional Cat Tien em 2010. Os tigres foram caçados até não sobrar nenhum. Restam apenas minúsculas populações de ursos e elefantes.
Parte desse massacre é cometido para saciar os apetites da medicina oriental tradicional no Vietnã e na China: pênis de tigre para curar a impotência, bile de urso para tratar o câncer, chifre de rinoceronte para aliviar a ressaca.
Levantamentos revelaram que uma motivação ainda maior é "atender à demanda descontrolada por carne de caça nos restaurantes urbanos", explicou Barney Long, diretor da organização sem fins lucrativos Global Wildlife Conservation.
Decidimos viajar mesmo assim, agendando um voo para Hanói, de onde rumamos para a selva do Vietnã. Depois, visitaríamos Ho Chi Minh City (antiga Saigon) ao sul, e as áreas verdes da região.
Ao longo de nossas duas semanas de viagem, observamos que algumas espécies exóticas estão sobrevivendo. Cuc Phuong, o primeiro parque nacional do país, fica aproximadamente duas horas ao sul de Hanói. Foi criado em 1962 por Ho Chi Minh, que afirmou que "a destruição atual das florestas vai resultar em sérios efeitos para o clima, a produtividade e a vida. A floresta é de ouro. Se soubermos como preservá-la e administrá-la, será um recurso muito valioso".
Mas não se veem mais langures de Delacour nessas matas, ou nenhum outro tipo de langur. Nada de ursos, leopardos ou felinos menores, a não ser que estejam tão bem escondidos que nem mesmo os cientistas são capazes de encontrá-los, disse-me Adam Davies, diretor do Centro de Resgate de Primatas Ameaçados.
Em vez disso, a mais rica amostragem de animais raros pode ser encontrada ao longo de uma calma estrada que cruza o parque, repleta de centros de resgate animal, que funciona como o equivalente a uma supervia expressa de preservação. No Centro de Resgate de Primatas, os visitantes podem ver quatro tipos de espécies de langures (macacos que se alimentam de folhas) praticamente extintos, gibões e lorises, muitos deles resgatados de traficantes de animais.
A poucos passos dali há dois outros centros de resgate. Um deles protege dúzias de espécies de tartarugas, muitas delas belíssimas, e todas ameaçadas de extinção. O outro se dedica a leopardos, civetas, binturongs e pangolins, animal semelhante ao tatu.
Para ver ursos, viajamos ao Parque Nacional Tam Dao, no alto de uma cordilheira ao norte de Hanói. Um resort dentro do parque está repleto de guindastes. No vale abaixo há um santuário de ursos, operado pela Animals Asia, que às vezes é aberto aos visitantes. Observamos duas espécies - ursos da lua e ursos do sol - brincando, nadando e escalando em um habitat recreativo construído especialmente para eles.
O desaparecimento do habitat natural e das espécies ameaçadas são pressionados por dois principais fatores: a corrupção que afeta o governo do Vietnã e a economia em crescimento.
Alguns funcionários corajosos tentam reagir, e grupos de preservação domésticos e internacionais podem citar alguns casos de sucesso. Mas o consenso é que as perspectivas gerais para as espécies silvestres do Vietnã estão se deteriorando rapidamente.
Se há esperança para o patrimônio natural do país, parte dela reside em grupos criativos de preservação como a Education for Nature-Vietnam. Eles atuam para o avanço de pesquisas, investigações criminais, lutas políticas e manobras jurídicas.
O turismo, que cresce rapidamente no Vietnã, também pode sustentar as áreas silvestres, mas somente se administrado com cautela. O turismo internacional trouxe quase 15,5 milhões de visitantes em 2018 - um aumento de 64% em relação a 2016.
"Todos os dias, acordamos e pensamos, 'ainda temos tempo? Alguma dessas espécies tem tempo? Ou estamos apenas combatendo em uma guerra já perdida?'", disse Quyen Vu, diretor-executivo da Education for Nature-Vietnam. "Mas, se não lutarmos, certamente seremos derrotados". / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Apesar de longas e trágicas guerras contra japoneses, franceses, chineses e americanos durante os últimos cem anos mais recentes, o Vietnã é uma arca do tesouro. Trata-se de um dos países de maior diversidade biológica em todo o mundo. Há 30 parques nacionais em seu território, e tantos tipos de animais quanto outros
destinos conhecidos pelos safáris, como Quênia e Tanzânia.
Centenas de espécies desconhecidas pela ciência foram descobertas no Vietnã durante as três últimas décadas, número que aumenta a cada ano. Uma delas, o saola, por exemplo, semelhante a um antílope, tem feições com traços delicados, com riscos brancos. Um pequeno rebanho de rinocerontes perdidos, cervos que latem e um coelho tigrado também foram vistos. E o mesmo pode ser dito de muitas espécies de pássaros - zagarateiros risonhos! - peixes, serpentes e rãs até então desconhecidas ou consideradas extintas. As florestas do Vietnã abrigam duas dúzias de espécies de primatas - gibões, micos, lorises e langures.
Um e-mail promocional que recebi do Parque Nacional Cuc Phuong era sedutor: "A floresta antiga contém quase 2 mil espécies de árvores, e entre elas vivem alguns animais incríveis e raros, incluindo o leopardo nebuloso, o langur de Delacour, a civeta de Owston, lontras e ursos pretos da Ásia! (…) corujas, esquilos voadores, lorises, morcegos e felinos".
Mas ao tentar marcar a visita, os agentes de viagem se mostraram estranhamente reticentes em relação às áreas selvagens onde poderíamos ver os animais, insistindo para que eu e minha mulher conhecêssemos as atrações urbanas. Finalmente, recebemos por e-mail: "Já estiveram no Vietnã antes, ou têm ideia de como é a situação aqui? Bastante ruim, caso não saibam".
Ruim para a vida selvagem? "Exatamente. No Vietnã, os parques nacionais são áreas protegidas apenas no nome, e a caça ilegal (frequentemente praticada pelos próprios guardas florestais) e práticas piores dizimaram a fauna", recebi em resposta.
Telefonemas a especialistas em preservação no Vietnã reconciliaram as aparentes contradições. Sim, o país é um epicentro de diversidade da fauna. Não, o ecoturismo não é muito explorado, e o Vietnã também se tornou um centro mundial do tráfico criminoso de espécies silvestres.
As populações silvestres, já pressionadas pela destruição de seu habitat decorrente do crescimento explosivo da população humana, são também abatidas a tiros, capturadas e aprisionadas com tanta eficiência que os parques nacionais e outras áreas naturais são agora afetados pela "síndrome da floresta vazia": um habitat florestal adequado à fauna no qual até os animais menores e pássaros foram caçados até a extinção local. Outros países asiáticos estão em diferentes estágios da mesma convulsão.
Em uma única reserva nacional remota no Vietnã, destinada ao saola e a outros animais raros, foram encontradas 23 mil armadilhas em 2015. Nenhum saola foi visto desde que foi feita uma foto de um deles, seis anos atrás. O último rinoceronte foi abatido por caçadores no Parque Nacional Cat Tien em 2010. Os tigres foram caçados até não sobrar nenhum. Restam apenas minúsculas populações de ursos e elefantes.
Parte desse massacre é cometido para saciar os apetites da medicina oriental tradicional no Vietnã e na China: pênis de tigre para curar a impotência, bile de urso para tratar o câncer, chifre de rinoceronte para aliviar a ressaca.
Levantamentos revelaram que uma motivação ainda maior é "atender à demanda descontrolada por carne de caça nos restaurantes urbanos", explicou Barney Long, diretor da organização sem fins lucrativos Global Wildlife Conservation.
Decidimos viajar mesmo assim, agendando um voo para Hanói, de onde rumamos para a selva do Vietnã. Depois, visitaríamos Ho Chi Minh City (antiga Saigon) ao sul, e as áreas verdes da região.
Ao longo de nossas duas semanas de viagem, observamos que algumas espécies exóticas estão sobrevivendo. Cuc Phuong, o primeiro parque nacional do país, fica aproximadamente duas horas ao sul de Hanói. Foi criado em 1962 por Ho Chi Minh, que afirmou que "a destruição atual das florestas vai resultar em sérios efeitos para o clima, a produtividade e a vida. A floresta é de ouro. Se soubermos como preservá-la e administrá-la, será um recurso muito valioso".
Mas não se veem mais langures de Delacour nessas matas, ou nenhum outro tipo de langur. Nada de ursos, leopardos ou felinos menores, a não ser que estejam tão bem escondidos que nem mesmo os cientistas são capazes de encontrá-los, disse-me Adam Davies, diretor do Centro de Resgate de Primatas Ameaçados.
Em vez disso, a mais rica amostragem de animais raros pode ser encontrada ao longo de uma calma estrada que cruza o parque, repleta de centros de resgate animal, que funciona como o equivalente a uma supervia expressa de preservação. No Centro de Resgate de Primatas, os visitantes podem ver quatro tipos de espécies de langures (macacos que se alimentam de folhas) praticamente extintos, gibões e lorises, muitos deles resgatados de traficantes de animais.
A poucos passos dali há dois outros centros de resgate. Um deles protege dúzias de espécies de tartarugas, muitas delas belíssimas, e todas ameaçadas de extinção. O outro se dedica a leopardos, civetas, binturongs e pangolins, animal semelhante ao tatu.
Para ver ursos, viajamos ao Parque Nacional Tam Dao, no alto de uma cordilheira ao norte de Hanói. Um resort dentro do parque está repleto de guindastes. No vale abaixo há um santuário de ursos, operado pela Animals Asia, que às vezes é aberto aos visitantes. Observamos duas espécies - ursos da lua e ursos do sol - brincando, nadando e escalando em um habitat recreativo construído especialmente para eles.
O desaparecimento do habitat natural e das espécies ameaçadas são pressionados por dois principais fatores: a corrupção que afeta o governo do Vietnã e a economia em crescimento.
Alguns funcionários corajosos tentam reagir, e grupos de preservação domésticos e internacionais podem citar alguns casos de sucesso. Mas o consenso é que as perspectivas gerais para as espécies silvestres do Vietnã estão se deteriorando rapidamente.
Se há esperança para o patrimônio natural do país, parte dela reside em grupos criativos de preservação como a Education for Nature-Vietnam. Eles atuam para o avanço de pesquisas, investigações criminais, lutas políticas e manobras jurídicas.
O turismo, que cresce rapidamente no Vietnã, também pode sustentar as áreas silvestres, mas somente se administrado com cautela. O turismo internacional trouxe quase 15,5 milhões de visitantes em 2018 - um aumento de 64% em relação a 2016.
"Todos os dias, acordamos e pensamos, 'ainda temos tempo? Alguma dessas espécies tem tempo? Ou estamos apenas combatendo em uma guerra já perdida?'", disse Quyen Vu, diretor-executivo da Education for Nature-Vietnam. "Mas, se não lutarmos, certamente seremos derrotados". / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
FONTE:estadao
Que triste...vai sobrar só a espécie humana cruel.
ResponderExcluirAí sim, vai ser humano caçando humano, como já ocorre em algumas situações